sábado, 20 de março de 2021

O caminho de uma mulher no estudo de Vedanta

 

Há seis anos eu criei esse blog como uma proposta dentro de uma atividade da turma regular de Vedanta. A ideia era fazermos um exercício de contar fatos marcantes da nossa história sem condenações nem julgamentos.

Um exercício que quando começamos a fazer nos damos conta da imensa dificuldade que é repassar nossa história com a capacidade de enxergar os fatos sem toda a carga emocional que normalmente temos em relação a nossa vida. 

Ao tentar fazer esse exercício eu tive que escrever sobre situações que vivi, e o mais desafiador, reescrever essa história, não do ponto de vista da pessoa machucada e sofrida, mas de alguém capaz de olhar para vida e as relações de uma forma mais objetiva, sem culpar nem absolver ninguém. Estar aberto para perceber o que surgiria a partir desse novo olhar. E foi surpreendente. Um exercicio que eu recomendo a todos. E que faço até hoje.

Na época eu me enxergava como uma pessoa muito frágil e dependente. Estava presa a vários conceitos que foram passados direta ou indiretamente para mim, principalmente no que dizia respeito ao que se espera de uma menina ou uma mulher dentro da sociedade. E relembrando agora os meus conflitos reconheço que, em especial nós mulheres convivemos historicamente com muitas situações de desvalorização, opressão, inferiorização e abusos. Abusos esses que nem sempre se referem ao abuso sexual, mas que no dia-dia anulam a nossa força, nossa capacidade, nossa natureza, e assim, acabam por calar e oprimir nossa melhor expressão nesse mundo. Infelizmente foi a forma que a maioria de nós aprendeu a se ver e a ser vista. Foi a visão que construíram e que construímos sobre nós mesmas e sobre nosso papel social.

O estudo de vedanta e tantas atividades e reflexões propostas pelo professor Jonas Masetti ao longo desses anos foram abrindo a minha percepção, e de muitas outras colegas, sobre essas situações de abusos e o resgate da força e sensibilidade como mulher, e como eu podia reconstruir isso na minha vida e nas minhas relações.

Uma vez conversando com o professor Jonas falei que achava que desconhecia o que era um verdadeiro amor, aquele que não é romântico, que não está ligado a nenhuma troca ou acalento para o ego. Aquele amor que se fala tanto na espiritualidade.

Eu buscava nas minhas relações fugir da sensibilidade e vulnerabilidade, pois achava que só assim eu poderia ser respeitada como mulher. Mesmo que no final acabasse caindo sempre nos meus velhos padrões de fragilidade e dependência.

Um dia eu estava cuidando da minha vó que está muito velhinha e em um desses momentos com ela eu relembrei a conversa que tive com o professor onde ele me dizia que eu já conhecia esse amor e que ele já estava comigo.

Enquanto ajudava ela a caminhar, a se vestir, a deitar na cama, a dar banho, foi como se o tempo fosse parando por alguns instantes, aquele momento que antecede algo muito importante e que parece que a vida toda passa na nossa frente. Olhando aquele corpo tão velhinho, daquela mulher que me cuidou tantas vezes, que tanto fez por mim, agora ali, dependendo totalmente dos meus cuidados. Vi nós duas, em silêncio, entregues, cada uma no seu ritual de gratidão, sensíveis e vulneráveis, mas fortes nas nossas histórias que nos levaram até aquele momento. E ela mais uma vez fazendo por mim.  Dando-me a oportunidade de finalmente perceber que esse amor que eu me achava incapaz de sentir sempre esteve ali dentro de mim. E uma vida inteira fez sentido naquele simples momento.

Eu não teria conseguido me entregar a esse momento se eu já não tivesse descoberto que minha sensibilidade e vulnerabilidade também são minha força.

Com a ajuda do olhar do professor pude enxergar que para que eu encontrasse um certo silêncio e paz, e pudesse me tornar uma pessoa inteira era preciso fazer as pazes com meu passado, ou a resolução, mesmo que apenas interna, com a minha história, com relacionamentos, com a pessoa que eu fui, e a que eu sou hoje.

Quando a gente faz a trégua com nossa história, não é apenas uma maturidade emocional que ganhamos. A nossa relação com o mundo e com as outras pessoas se transforma. Nada mais está contra mim. Eu é que estou a meu favor e posso contribuir com o mundo com essa energia.

Depois de anos de estudo percebo cada vez mais forte a importância do papel do professor nesse preparo da mente que me permitiu trilhar esse caminho de conhecimento. Agradeço ao professor Jonas Masetti que com toda sinceridade, sensibilidade e paciência mostrou-me que existia um caminho que devia ser trilhado por mim para eu encontrar meu papel nesse mundo. E que justamente esse caminho ia me aproximar daquilo que eu buscava. Uma leveza na vida, na minha história, e uma satisfação em poder contribuir na minha melhor expressão nesse mundo.

Om Sri Gurubhyo Namah 


segunda-feira, 29 de junho de 2015

Ainda sobre a Dor

Como um cavalo que
cego segue as rédeas
do seu condutor, sigo
ainda na ilusão

Guiada pela mente
vivo a dor de quem não sente
que a felicidade
não é separação

domingo, 21 de junho de 2015

Coragem

Desde adolescente sempre tive dificuldade no convívio social. Não porque não me adaptasse ou não conseguisse me relacionar com as pessoas, muito pelo contrário. Sempre tive bastante amigos, bom relacionamento com todos, sem muitos conflitos. Mas eu era muito tímida, e sempre achei muito difícil colocar limites nas pessoas. Além disso, também tinha uma sensação de que não pertencia a lugar nenhum, que não era aceita ou nunca agradava ninguém. Por isso, minha tendência, principalmente durante  minha adolescência, foi de isolamento, e faltava-me coragem para enfrentar essa dificuldade.
Sempre gostei de estar no meu quarto, ouvindo minhas músicas, lendo meus livros, vendo filmes, todas minhas diversões prediletas. Convivia com os amigos e família, mas o momento em que eu me sentia bem, livre de toda a pressão social, era quando eu estava sozinha, quieta, sem precisar ser ninguém mais, sem precisar ficar com medo de não agradar. Enfim, estar com as pessoas era ver nos outros o que eu pensava de mim mesma. Os outros apenas refletiam o que eu pensava de mim, por isso era tão difícil essa convivência.
Os anos se passaram, a vida adulta chegou, e fui “forçada” a assumir uma postura na qual não mostrasse muito essas minhas fragilidades e dificuldades sociais. Uma das técnicas que usei para vencer a timidez e o constrangimento na frente das pessoas era o bom humor, rir de mim mesma, escondendo assim, toda a vontade que na verdade eu tinha de não estar naquela interação. Mas o interessante é que, apesar de me sentir muito mais aliviada sozinha, isso não me completava. No fundo me sentia mal por não ter a capacidade de ficar bem diante das outras pessoas, porque eu gostava de estar com elas, o problema era como eu me sentia em relação a elas.
O primeiro grande desafio que eu me coloquei foi quando, na época do mestrado, um amigo pediu que eu recebesse uma amiga dele na minha casa por um tempo. Ela havia passado no mesmo programa de mestrado que o meu, e não tinha onde morar, pois era de outro Estado. Obviamente eu morava sozinha, e receber uma pessoa que eu não conhecia para morar comigo era impensável. Lembro que sofri por uma semana para dar a resposta, porque não queria que meu amigo ficasse chateado comigo, além de na verdade não ter nenhuma desculpa para não aceitar que ela ficasse na minha casa.
Acabei aceitando porque sabia que era o certo a fazer, eu sabia que devia ajudar a menina que vinha de tão longe. Assim, quando ela chegou, disse logo que para mim era difícil ter uma pessoa em casa, e que ela poderia ficar ali enquanto não encontrasse um lugar para ficar. Fiquei contando os dias para que ela arranjasse algum lugar, para que eu voltasse a minha vida normal sem ter que interagir com ninguém quando chegasse em casa. No entanto, esse teste forçado ao qual me coloquei, de aceitar alguém morando comigo, me proporcionou uma das maiores mudanças e aprendizados da minha vida, pois essa menina acabou se tornando uma das minhas melhores amigas, e me mostrou que eu não era tão difícil assim de conviver. Ela entendeu e respeitou minha dificuldade, e ainda por cima mudou minha forma de ver muitas coisas.  Dividimos apartamento por quatro anos, num convívio perfeito. Com essa amiga pude ser eu mesma, e para minha surpresa, continuamos sendo amigas depois disso e por causa disso.

Pode parecer simples para alguém que vê de fora, mas essa decisão foi um ato de coragem de enfrentar algo que me incomodava muito. Essa exposição à uma situação tão desagradável para mim, me fez enxergar muitas coisas que eu não percebia, mesmo com muitos sofrimentos nesse processo. Mas no final superei boa parte daquilo que me incomodava graças à coragem de enfrentar esse problema. Ainda hoje tenho um pouco dessa dificuldade, mas diferente de outras épocas, sei que posso enfrentá-las e superá-las. E principalmente, que a melhor forma de conseguir isso é através do convivío com o outro.

sábado, 13 de junho de 2015

Fé na Vida

Certa vez, conversando com um amigo, ele disse a seguinte frase pra mim: “ – Nossa, Bianca, você tem uma profunda falta de fé na vida.” Não lembro exatamente o conteúdo da conversa, mas aquela frase me deixou um pouco intrigada. Não porque não acreditasse nela, de fato acreditava, era totalmente possível dado todo o meu histórico de vida. Mas fiquei procurando como exatamente essa falta de fé no mundo se manifestava em mim. Tenho plena consciência, por experiência própria, que viver com essa falta de confiança no mundo traz muito sofrimento. Então fui fazer uma breve busca nos meus arquivos mentais que corroborassem com essa afirmação, e encontrei lá algumas lembranças.
Até pouco tempo atrás eu me considerava atéia, e com orgulho. No meio acadêmico, principalmente quando se está na pesquisa, é comum este tipo de posicionamento. Apesar de sempre ter me entregado fortemente à contemplação da natureza, nunca busquei o divino nessa beleza (sei que muitos irão achar impossível isso, mas de alguma forma funcionava pra mim). Nunca achei necessário acreditar em algo divino para agir de forma correta, pois vim de uma família onde apenas minha avó era católica, mas o restante não seguia nenhuma religião nem espiritualidade. Mas os valores éticos e morais estavam sempre presentes. 
Porém, senti o peso dessa falta de crença quando meu avô de repente foi parar no hospital muito mal devido à problemas renais, e fui chamada às pressas para me despedir dele. Nesse dia entrei em estado de choque. Eu não conseguía acreditar em vida após a morte da forma como os espíritas colocavam e não tinha um Deus pra pedir ajuda. Queria desesperadamente que ele vivesse, que algo acontecesse para ele melhorar, mas nada poderia me confortar naquele momento. Não tinha a quem recorrer. Eu não confiava nem acreditava em nenhuma ordem ou Deus que iria fazer o que fosse melhor. Então, uma das pessoas mais importantes da minha vida estava morrendo, e lembro bem de sentar na sala de espera do hospital e num ato de desespero mentalizar o rim do meu avô e pedir pra ele funcionar. Eu conversei com o rim do meu avô, e assim, sem saber, naquele momento estava me entregando a algo. Mas logo em seguida ele faleceu, e fiquei muito deprimida. Uns dias antes de falecer, quando ele acordou após ter sido internado, contou-me sobre a sua experiência de quase morte. Éramos muito confidentes, e sempre acreditei muito na lucidez dele. Ele relatou que viu sua vida toda passar na sua mente e estava muito emocionado, porque havia visto algo importante que não conseguiu em palavras me explicar. E eu acreditei nele.
No entanto, antes mesmo da morte do meu avô, sempre segui com esta visão de mundo, enfrentando as dificuldades da vida com esse peso a mais, acreditando que a vida era só sofrimento mesmo. Pode parecer horrível dizer isso, mas sempre a expectativa que tive da vida era na espera do pior. Era uma posição defensiva para alguém que não confiava na vida, porque se o pior acontecesse, a dor não sería tão grande, pois já era esperado. E se acontecesse algo bom, eu estaria no lucro. Então, pensando nisso, eu entendi a frase do meu amigo, pois isso sim é uma profunda falta de fé na vida. Não acreditar que existe uma ordem inteligente, que a vida tem um propósito além do sofrimento, do nascer e do morrer, e que não é possível encontrar um determinado equilíbrio dentro das dificuldades da vida é sofrimento na certa.
Precisei passar por muitas dores e experiências para entender isso. Pode parecer triste ou até deprimente imaginar que uma pessoa viveu assim por tanto tempo. Mas hoje não sinto tristeza em lembrar que eu pensava dessa forma. Se hoje acredito nessa ordem é porque ela me mostrou da maneira que eu precisava aprender, como as coisas funcionam. Se eu precisava de provas, recebi todas possíveis para entender que essa ordem existe e que não estou no controle de tudo. E que esse entendimento me alivia da culpa, do “vitimismo” e de muitas dores. Tenho muito caminho pela frente no aprofundamento desse entendimento, mas se estou aqui, escrevendo este texto, é porque a vida me mostrou que existe esse caminho, com suas dores, mas também muitas alegrias, com sofrimentos mas também com muitas libertações; mundano mas, acima de tudo, divino.

sábado, 6 de junho de 2015

O Dinheiro, Eu e A Espiritualidade

A questão do dinheiro sempre esteve muito presente em minha vida. A questão, não o dinheiro. Na verdade, a dificuldade em ganhá-lo que esteve sempre presente. Meu primeiro trabalho, aos 18 anos, como recepcionista, já apontava mais ou menos como sería minha vida profissional. Quinze dias de trabalho, doze horas por dia, e no final um cheque sem fundo. Numa outra ocasião, trabalhando como garçonete, também não recebi o dinheiro referente à um dia inteiro de trabalho. E por último, no meu primeiro emprego de carteira assinada, já nas primeiras duas semanas de trabalho descobri que meus colegas estavam com o salário quatro meses atrasado. Logo depois tive que abandonar esse emprego pelo mesmo motivo dos meus colegas. E assim, ocorreram outros casos semelhantes.

Penso que todos esses acontecimentos podem ter algumas explicações, dentre elas, uma profunda falta de sorte mesmo, mas, além disso, e talvez mais determinante, uma desvalorização da minha parte das minhas capacidades, quase como se eu dissesse para as pessoas que elas poderiam pagar o que quisessem e se quisessem, que estava tudo bem.

Não é preciso dizer como essa relação complicou quando comecei a dar aulas de yoga, pois agora, além da questão do trabalho existia essa conexão com a espiritualidade. E para ser sincera sempre tive a ideia de que espiritualidade e dinheiro eram incompatíveis, e que jamais poderiam existir juntos de forma coerente. E assim, ter que cobrar pelo meu trabalho, sendo este aulas de yoga, que estava intimamente ligada com espiritualidade sería um grande desafio e uma mudança de paradigma. E de fato foi. E continua sendo.

Mas a realidade é que por três anos essa foi minha única fonte de renda, junto com a massoterapia, e querendo ou não, era meu trabalho. Com as massagens me sentia um pouco melhor, mas até certo ponto, porque sempre acabava dando descontos porque na hora de cobrar sentia-me um pouco constrangida. Ou quem sabe era orgulho? Estranho não é? Mas algo me diz que talvez o orgulho tenha também muito a ver com minha dificuldade de cobrar pelo meu trabalho. A mente e suas complexidades.

No entanto, essa falta de valorização das minhas capacidades, do serviço que eu estava oferecendo, do meu tempo e da minha dedicação fizeram com que várias situações de desrespeito surgissem. Muitos alunos não pagavam as mensalidades no dia, quando faltavam às aulas e não tinham tempo para recuperá-las achavam natural pedir o dinheiro de volta. Enquanto outros faziam duas aulas e depois sumiam sem pagar. E isso foi se repetindo muitas vezes.

Confesso que a reflexão sobre minha relação com o trabalho e o dinheiro é muito recente. Espiritualidade e dinheiro mais ainda. No entanto, hoje em dia, tenho clareza que o conceito que eu tinha sobre essa relação era baseado em pensamentos ultrapassados e tempos antigos, que nada têm a ver com a realidade atual. Porém, a minha postura no que diz respeito a mim, o dinheiro e a espiritualidade ainda não está bem resolvida. Sei que esta mudança de atitude é importante e necessária para o meu crescimento, e que se refere não só à minha valorização como profissional, mas ao encontro do meu papel nesse mundo, do entendimento e da aceitação desse papel, seja ele qual for. Não é fácil, mas creio que já estou bem mais preparada para ultrapassar mais esta barreira.

domingo, 31 de maio de 2015

Pais e filhos

Essa é a história de uma menina e seu pai. Vou contar essa história porque acompanhei o seu desenrolar durante toda minha vida, e assim, com a autorização da protagonista, sinto-me à vontade para compartilhá-la.
A relação dessa menina, Laura, com seu pai, nunca foi uma relação que se espera entre um pai e uma filha. Seus pais se separaram quando ela tinha apenas um ano de idade. Não foi uma separação amigável, e ficaram muitas mágoas e ressentimentos entre essas duas pessoas. O pai saiu de casa e construiu uma nova família. Laura nunca viu os pais juntos, em nenhuma ocasião, e de certa forma, a ausência desse pai foi algo comum para ela desde pequena. Além dessa ausência, Laura cresceu com a presença de uma frase que ouviu desde pequena, mas que não foi escutada diretamente através de seu pai. Ele havia dito certa vez que ela não era sua filha, logo no momento da separação. E de fato, por algum motivo, foi assim que, Laura e seu pai, conviveram durante anos, como se nada fossem.
Laura tinha muito claro que não sofria com a suposta rejeição do pai, mas sim, pelo seu irmão que tanto desejava a admiração e atenção dele. Mas ela, não. A vida havia compensado está ausência com dois outros pais, o avô e o padrasto, que cumpriram muito bem o papel.
No entanto, não poderíamos dizer que essa ausência foi completa na sua vida. Existiram alguns momentos com seu pai, mas no fundo, Laura sempre sentia uma frustração no final desses encontros. Nada era dito, ambos não manifestavam o sentimento de estranheza, falta de afinidade e intimidade que existia entre eles. E ela retornava para sua casa evitando pensar no assunto, pois talvez aquela situação pudesse causar muita dor.
Já com 30 anos, na ocasião do seu casamento, à pedido de sua mãe, telefonou para o seu pai avisando que iría se casar. Sería apenas um jantar, um casamento no cartório, para oficializar um relacionamento de oito anos. Mas para Laura não havia sido um convite ao seu pai, apenas um comunicado.
No dia seguinte, o pai ligou para Laura, e para sua surpresa desta vez comunicando que estaría presente no casamento. No entanto, mais surpreendente ainda, foi Laura dizer para seu pai que não gostaría que ele estivesse presente nesse dia.
Esse “não” na verdade foi um impulso de expressar seus sentimentos e de “quebrar”  aquela farsa de que tudo estava bem entre eles, uma tentativa de colocar um limite nas ações de seu pai em relação a ela, para que ele entendesse que as suas atitudes ou a falta delas haviam causado muita dor. Entretanto, também foi um “não” cheio de raiva e mágoa carregadas durante anos, e que ela acreditava dizer respeito apenas ao seu irmão. Mas então, junto com esse limite imposto, com esse pedido de respeito, ela despejou toda a sua dor de fatos que haviam acontecido durante sua vida, sem dizer o que realmente estava sentindo, apenas apontando todos os “erros” dele.
Apesar de ela estar segura da sua atitude ao não permitir que seu pai fosse ao seu casamento, um mau-estar surgiu em Laura após este desabafo. O que devería ter sido um momento para mostrar sua dor para o seu pai, para mostrar o quanto aquela criança havia sido maltratada, as palavras viraram-se contra ela. A mensagem de dor não alcançou o coração do seu pai, mas apenas a raiva.
A partir desse dia até hoje eles não se falaram mais. Laura tentou uma reaproximação, mas não obteve um retorno. Ela não sabe por qual motivo ele cortou definitivamente relações com ela depois desse dia, se pela mesma raiva que foi proferida contra ele, por vergonha, por indiferença, por mágoa... Ela sabe que finalmente conseguiu expressar algum sentimento, consciente ou inconsciente, de forma correta ou não. Mas acima de tudo ela percebeu que se quer mostrar a sua dor ao outro, e se quer ser compreendida, não será através de acusações que irá conseguir. Ela espera um dia voltar a falar com esse pai, não na esperança de encontrar um relacionamento de pai e filha, mas para que ambos sigam em paz os seus caminhos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A Ferida e a Cura

O relato que farei aqui é sobre a primeira situação que veio à minha mente quando o tema de aula foi proposto. Na verdade, a lembrança deste acontecimento sempre aparece durante as aulas de vedanta, porque o sofrimento que veio com esse momento foi um impulsionador para a busca da compreensão de mim mesma.
Logo que concluí meu mestrado fui à procura de um emprego, pois estava em dúvida se quería continuar na vida acadêmica, pois havia me decepcionado pela forma como a pesquisa estava sendo conduzida não só na área que eu estudava como na ciência em geral. Então, coloquei meu currículo em um site de empregos e, para minha surpresa, fui contratada logo em seguida, em uma empresa que prestava serviço de consultoria e projetos ambientais.
A primeira semana de trabalho foi meio confusa, não sabia o que fazer, não recebia instruções, apenas um pouco de ajuda dos colegas. Meu chefe naquela ocasião, engenheiro civil, não dominava as questões da área biológica, e meus colegas também eram novatos no assunto.
Fui estimulada pelo meu chefe a enviar emails para uma das funcionárias do Ministério da Pesca e da Agricultura, um dos departamentos do governo nesse assunto, que era para quem estávamos prestando serviço.  Ele sugeriu que eu tentasse esclarecer as minhas dúvidas com o próprio contratante em relação aos relatórios que estávamos elaborando. E foi assim que comecei a trocar emails, fazer perguntas, sempre recebendo respostas gentis e sendo estimulada a continuar esse contato. Assim, na segunda semana de trabalho fui chamada para uma vídeo conferência com todos meus colegas e os contratantes.
Não entendi muito bem porque havia sido chamada para àquela reunião, mas fui empolgada com a ideia de que estava sendo inserida na empresa. Mas para minha surpresa não foi bem isso que aconteceu. O fato foi que a empresa contratante, nas palavras de duas funcionárias sendo uma delas a que eu mantinha contato por email, afirmou publicamente que eu era incompetente e não qualificada para exercer a função que eu estava encarregada.
O sentimento imediato que surgiu foi de vergonha, porque na verdade não estava entendendo muito bem o que estava acontecendo. Fiquei chocada por alguns instantes assistindo ser o tema de uma reunião da qual não fazia ideia sobre o que sería, nem quem eram todas aquelas pessoas. Quando eu vi todos constrangidos em volta de mim, inclusive os próprios funcionários do ministério, senti-me profundamente humilhada. Na verdade, na minha cabeça, o que estava acontecendo era a afirmação pública daquilo que sempre repeti e afirmei dentro de mim, ou seja, que eu não era boa nem capaz. Mas então, se eu já sabia de tudo aquilo por que me senti tão humilhada e surpresa?
Porque no fundo o que eu queria era ser admirada e valorizada pelas coisas que eu fazia. Eu tinha o desejo de que um dia as pessoas me mostrassem que não, que eu estava errada, que eu não era aquilo que eu pensava de mim mesma. Eu queria ser vista como boa e capaz.
Mas aquele reforço acabou potencializando aquele sentimento que eu tinha em relação às minhas capacidades, obviamente devido ao meu despreparo para encarar a vida. A minha mente extrapolou a informação recebida de que eu não era capacitada para àquela função específica, traduzindo como se eu não fosse capacitada para nada. E dessa forma fez com que eu decidisse não mais seguir na minha profissão. Claro que não foi só por isso que desisti da biologia, pois há muito tempo não me identificava mais com o mercado de trabalho na minha área. Foi apenas um empurrão para que isso acontecesse.
Por um bom tempo esse acontecimento foi negativo na minha vida. Não soube tirar o aprendizado que ele estava me proporcionando na época, só conseguia enxergar o reforço negativo em relação a mim mesma. Hoje eu entendo que aquela mensagem não havia sido diretamente para mim. O contratante estava insatisfeito com o serviço da empresa que eu trabalhava, viu em mim um ponto fraco para atingí-los; apenas isso.  De fato não estava preparada para exercer aquela função, mas não porque não era capaz. Tenho consciência que se eu tivesse sido orientada corretamente tería realizado um bom trabalho.  Mas essa experiência foi um grande aprendizado, servindo para que eu reavaliasse a maneira como algumas palavras e pré julgamentos podem afetar profundamente a vida de uma pessoa e de como os julgamentos e as visões distorcidas que tenho em relação a mim também podem ser devastadores. 

Leia também o texto de João Goulart publicado no vedantaonline.org